quinta-feira, 30 de junho de 2011

ENTRE ROLL-MOPS E OVOS COR DE ROSA

Uma filósofa de plantão no boteco do Saldanha disserta com o garçon sobre Mozart enquanto manuseia o ovo cor de rosa entre goles da cachaça envelhecida nos píncaros de algum lugar. Francisca, na mesa ao lado, pensa nesse lugar e no homem a extrair o líquido que desce agora pela garganta da mulher e que talvez, deixe sua língua dormente feito perna quando se senta em cima dela e depois tem que esticar e fazer três sinais da cruz como sua avó ensinou – um no pé, outro na canela e mais um na coxa para a dormência passar. Parece ter tanto a explorar essa moça, que não percebe Francisca que a olha, atenta a cada movimento, gesto ou palavra que ela diz ou silencia. Diz ou engole enquanto engole a pinga. Francisca pensa que ela talvez durma atravessada no meio da cama. Porque não é saudável deixar um lado vazio quando não há ninguém mais nela. As pessoas precisam de romance. Precisam brincar. E Francisca, que não é diferente, vai dando asas à sua imaginação. Tem 53 anos, está completamente apaixonada e, assustadoramente, perdeu a necessidade de se proteger. Tem muitos momentos na sua vida e se apropria deles como pode. Transforma as coisas e faz palavra, faz estória. Faz cenas. Que mais Francisca, escritora de peças teatrais, pode querer? Enquanto pensa, tateia a mão pelo queixo e sente o pelinho insistente apontar outra vez. “Eles voltam embora eu os arranque com a pinça!”. Olha de novo a mulher que agora olha para ela agora com os olhos arregalados. Será que escutou seu espanto? Francisca deixa o protocolo na sua mesa e vai até a mesa dela. Leva junto sua porção de roll-mops. Sorri, puxa a cadeira e senta. Posso? A mulher vai direto ao assunto: “Você também tem pêlos no queixo, não é? E quando ele desponta e você o sente entre os dedos, quer extirpá-lo, não é?”. (Sorriem). “Pois é. É assim que estou. Precisando extirpar umas coisas de mim. Colocar um chapéu lilás de enorme aba na cabeça e sair vaporosa no meio da avenida. Dizer bom dia aos passantes e jogar-lhes flores”. Francisca aceita um gole do líquido que a outra oferece e se serve de um ovo rosa. A mulher, enquanto se serve do roll-mops, diz que vai contar o que a trouxe ali no boteco. E conta. “Dia desses saí de casa batendo atrás de mim a porta. Segui passo atrás de passo até o endereço contido num pedaço de papel colorido que uma cartomante me entregou um dia no meio da rua e disse: “Deixa eu ler seu futuro, moça”. Guardei o papel e nem liguei. Eu lá sou mulher de me dar a ler? Meu futuro eu escrevo! Mas um dia sucumbi e bati à porta da cartomante. Mandei que ela colocasse todas as cartas de uma vez. Que começasse do mais imediato. Das urgências da vida, sabe? Meu desejo era contundente e atravessou o olhar da cartomante, que suspensa, dentro do vácuo que eu criava, deitou as cartas sobre a mesa e me leu. Você acredita? O que ela viu eu não fiquei para ver. Antes que abrisse a boca eu pedi licença e saí. Chamei um táxi, pedi para ele me deixar aqui e aqui estou. Muito prazer, sou Antonia. Francisca estende a mão e riem-se deleitando-se entre os quitutes e golinhos de pinga. Desconhecem contra-indicações quaisquer que possam advir de tal combinação.

2 comentários:

  1. Sempre bom ler suas crônicas Clô! Assim como a personagem, também não me dou a saber do futuro... uma vez que "ele" nós mesmos fazemos, não é?!

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  2. é isso aí, Ju! pra pegar o futuro de jeito é preciso encarar com força, o presente! pero... sin perder la ternura. jamais!!!

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