sexta-feira, 30 de julho de 2010

CARTA PARA OSWALDO


Oi Oswaldo. Fui embora, amor. Não dava mais, não. A canoa já andava repleta de furos, a gente sabe. Mas a gente fazia de conta que não. A gente, não é, Oswaldo? Esse bendito curso de verão que estou fazendo me mostra que pra falar de si próprio tem que dizer EU. Porque senão fica esse negócio enrolado: a gente isso, a gente aquilo... que é isso, né Oswaldo? Acaso tem um batalhão atrás de cada um? Uma turma que “acompanha” e compartilha nossos pensamentos? Que dá a força que um só não teria? E aí vira essa “entidade” endossando a opinião que pode ser só de um. De qualquer modo eu fui embora. Eu vejo, Oswaldo, que tem coisa que não tem explicação “biopsicosocial-espiritual” além da compreensão possível que a gente possa ter. Ó! De novo. Que eu possa ter. Mas eu entendi, viu? Nem que amanhã eu tenha que desentender tudo. Não adianta tampar o sol com a peneira. Os raios estão por toda parte. Vê Oswaldo? Sei lá. Eu acho que não. Eu? Eu quero ser feliz, né Oswaldo? É você que é todo organizado, compenetrado e cheio de um rigor científico que eu fico até sem saber como entrar. Falar “Oi. Estou aqui”. A gente – desculpa - eu, faço tudo que posso para dar vida às coisas... até usar sabonete íntimo afrodisíaco eu uso, Oswaldo. Mas você... Pegada, Oswaldo. Te falta pegada para chegar junto e me juntar num canto. Sabe lá, né? Vai ver anda se enchendo de sonhos românticos e cheios de rigor. Eu quero é vigor, Oswaldo. E eu nem sei como te falar tanta coisa... Por isso mandei essa carta pro jornal. Quem sabe você lê e vem falar comigo. O que não dá é para desistir. Ficar aí ensimesmado. Cheio de silêncios e pontas. Silêncios e obtuosidades tontas. Eu, hein! Como disse o mocinho no final: O que fica é a certeza do convite. De querer ser feliz. Você quer? Quer pensar naquilo que nos move? Os músculos? O cérebro que comanda os músculos? Ou o coração que nada sente, mas que se parar, a gente morre? Sabe lá. É como me disse um amigo esse final de semana: “Viver dá um vesgo na gente”. E eu achei tão poético. “O amor é filme”, Oswaldo. “eu sei pelo cheiro de menta e pipoca que faz quando a gente ama”. E é aventura sem tamanho estar vivo e aqui e agora. Agora... as letrinhas “the end” que aparecem no final é outra coisa. E quando é que termina? Quando é que “dá certo?” Uns dizem que no final tudo dá certo. Senão não é o final. Eu fico com o sinal de “dois pontos” que Clarice Lispector dá em Felicidade Clandestina... Fico com a surpresa a cada respiro. Deixo você com seu castelo de minúcias. Torcendo para que um insondável efeito dominó a tudo devaste sem piedade. Que reste só você e o recomeço. Você e as possibilidades que deixou passar. Que dessa vez você as veja. Eu, Amélia fui.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

PASSEIO NA CHUVA

Dia desses resolvi dar uma passeada na chuva. Tudo - friozinho, chuva fina e constante, soninho de depois do almoço, uma pilha de coisas para ler, trabalhos para a faculdade, a crônica da semana – me pedia para ficar mesmo em casa. Apontava essa direção. Acontece, porém, que gosto muito de caminhar (e os últimos dias não tinham permitido isso), de modo que, qualquer coisa entre criar coragem e já estar um pouco predisposta, enfiei o pé no tênis (invenção danada de boa pra caminhar), passei a mão no meu guarda-chuva e tranquei a porta atrás de mim. Todas as obrigações ficaram e eu fui.

Comecei a caminhada escolhendo ir de escada. Desci lá os exatos 70 degraus. E saí na chuvinha. Já na rua comecei a pensar nas peculiaridades desse objeto: o guarda-chuva. O meu é fantástico porque é transparente. Eu que sou uma moça olhadeira preferi esse na hora da compra porque poderia olhar pro céu de quando em quando, ver nuvens, relâmpagos, raios. A própria chuva que pinga forte ou devagar, grossa ou fina sobre ele e você vê isso e vê também a água escorrer pelas bordas. Mas eu nem precisava de guarda-chuva transparente para ver outras coisas que vi pelo caminho.

O bacana de fazer coisas diferentes é que tem todo um olhar novo que você coloca sobre as coisas que normalmente vê. São outros pontos de vista em você mesmo. Porque nem sempre as coisas mudam, é você que pode mudá-las (ou não) colocando um olhar diferente naquela mesma direção. Os calçamentos quebrados da Blumenau e da Dr. João Colin, por exemplo, como sou moça andadeira, bem sei que estão lá há bastante tempo. Com a tal chuvinha, imagine... poças e poças pra gente desviar. Ou meter o pé de forma distraída e molhar o sapatinho. Ou torcer o pé! O cruzamento da Benjamin Constant com a Visconde de Mauá já é um desassossego em dias de sol e noites de lua, pense com chuva! É preciso um semáforo urgente – já perdi a conta de quantas vezes corri para a sacada ver mais um acidente. Foram muitos motoqueiros no chão. Gente correndo, triângulos no meio da via, socorro, guincho... Se não for instalado um semáforo ou ao menos um redutor de velocidade, talvez se possa pensar num ponto fixo para um carro do SAMU. Mas enfim, também tem coisa boa. No caminho fui me encantando com meus companheiros de passeio. O alinhado homem com terno e guarda-chuva pretos. A linda senhorinha com sombrinha marrom cheia de minúsculas flores em rosa e verde. O acessório combinava com a calça marrom e o casaquinho bege. Uma graça a senhorinha.

Já lá no centro, a confusão de transeuntes com seus acessórios. Há que ter certo cuidado para desviar o objeto do rosto das pessoas que passam apressadas. Eu por vezes levantava o meu e deixava aqueles que vinham irredutíveis passarem ao largo (alguém tem que ceder, não é?). Mais lá na frente, quando a chuva deu um sossego, uma mulher com sobretudo 7/8, sapato bom de andar tipo aqueles “calçados Vulcabrás” que eu via em propagandas quando era criança, uma bolsa toda cheia de compartimentos, com presilha para guarda-chuvas e o guarda-chuva preso lá. Um charme de mulher “efetiva”, pronta para sol e chuva e para andar! Já na volta uma moça chama minha atenção com seu acessório: Um guarda-chuva branco com algumas pintas pretas e, pense leitor: duas orelhas! E divertida cruzou a via na faixa. Uma graça.

Já na rua de casa peguei a chuva de frente. Inclinei meu objeto transparente e vi aquilo chover em mim sem me molhar. Vi os carros quando mudei de calçada e as pessoas que passaram por mim. Vi até o portão de casa por onde eu ia passar e logo logo tomar um cafezinho quente e degustar a aventura do passeio. “Certos dias, de chuva, nem é bom sair de casa e agitar. É melhor dormir”. Ah. Guilherme, hoje eu tive que cantar sua música sem o NÃO e também tirei a parte do “dormir”. Eu tentei e aconteceu. Valeu!

domingo, 18 de julho de 2010

INTERAÇÕES

Agora que o encaracolado do cabelo começa a tomar forma, que os cachos passeiam sobre minha pele e as roupas sobre meu corpo têm a graça de uma criança arrumada pela mãe (exceto pelos lacinhos e tiarinhas); me encontro como aquela amiga; também pensando seriamente em tomar suco de formol com aloe vera. Preciso de flexibilidade, amiga! Há algum jeito de se conseguir isso sem essa garrafada? E minha pele? Está gritando por um tratamento de choque! Eu penso em tudo que Tiago não faz, não diz, não sente. Ele é não. Não, não... Ele não é. E eu fico sempre boiando nesse assombramento. Ele entra, sai, vai embora, desaparece por quatro meses e sempre reclama do cachorro quando volta. Reclama do cachorro, mas é ele que não sai do banheiro sem deixar no chão resquícios de si. Será tão difícil assim mirar o vaso sanitário? Digo, acertar a mira? Por isso e por tudo que não falo eu pedi para ele ir embora de uma vez. Assim simples mesmo. Como quem pede uma pizza. E disse pra ele: Minha casa é casa que tem cachorro, sem dúvida. Mas não tem porco. Agora não tem mais. Minha amiga diz que tenho um “corpo-aquário de vidro”. Acho tão bonito. Diz que sou um oceano de informação-tensão-desejo, mas que no cotidiano só se deixa ver peixinho de aquário. Diz que sou como um livro com absurda quantidade de feromônio inundando cada página. Será? De qualquer modo mandei Tiago embora. Mas minha casa ainda tem cheiro. E cheira sexo. “Não é nada palpável”, minha amiga diz: “Nada que se aponte. Talvez mais para a ideia de um quarto de motel, fartamente usado, lençóis impregnados, toalhas úmidas, resquícios de toda volúpia que houve ali e que se mantém. Mas o que resta é cheiro.... Essa coisa que é senão gatilho para a memória. Me lembro de desejos equivalentes que tive e retive. Dos olhares que também fingi não dar e daqueles lancinantes capazes de desvirtuá-lo. Me lembro de sons de lençóis sob corpos agitados, de respiração arfante, sons de sussurros”. Ah...minha amiga, isso é conversa de “closet”. Conversa com sensação de calor, profundidade, amorfa. Conversa que vai esvaindo, escorrendo.... Conversa “magma” - lava, vulcão, jato, uma coisa forte, quente, perigosa, vermelha, amarela, laranja, atraente, brilhante, letal, destruidora, formadora, imponente, respeitosa, temerosa, dolorida. Ah! De novo, seja como for, ela lembra daquela pizza que comemos, onde estava tudo tão escuro mas a bicicleta era amarela! “Eu, por mim vou até o cabeleireiro esse final de semana: fazer uma francesinha branca sobre o azul nas mãos, quase não vai chamar atenção”. E aí me conta que o escritório para quem ela presta serviço pediu um orçamento de projeto. Diz que a coisa é mega. Um canteiro para 200 homens no caminho para um lugar chamado Rurópolis. No meio do absoluto nada. Fala sobre as implicações logísticas e que ela deu o preço, mas tem certeza que eles arranjarão quem faça por 1/4 do valor. E conta também que a hidrelétrica fez contato com ela. Diz que se ofereceu e que eles não aceitaram sob a alegação de que é qualificada demais para o serviço... Eu digo para ela que eu preciso mesmo arranjar um namorado! Que estou quase latindo de tanto conviver só com meu cachorro. E então a gente ri fartamente.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

POEMA NA CIDADE

POEMA NA CIDADE

Caminho pela cidade. Entre o monóxido de carbono e as jardineiras espalhadas estou eu e todas as pessoas que caminham. Ora apresso o passo e ora me perco. Olho a bolsa na vitrine. O cachorro que cheira cada milímetro da calçada. Eu caminho entre a multidão. Parte que vai. Parte que vem. Sou figura e sou fundo. Consciente e inconsciente. Destaco-me da multidão ou misturo-me a ela. Anônima. Entre o lixo e o luxo. O cheiro de urina pelas ruas e mamões, bananas, laranjas e feirantes que gritam. Apelam-me ou ignoram-me. Coleciono pedaços de papel até a próxima lixeira: cartomantes, dinheiro vivo, promoção de produtos para limpeza, como tornar meus dentes mais brancos em 5 dias e cursos que podem salvar minha vida e me dar um lugar no mundo. A mim que, ora leitosa e fluida e ora revestida de couraças, sigo pelas ruas. Se me destaco, sou figura; se me diluo, sou fundo. Para quem? Quem sou eu na rua em que passo, atravesso, detenho-me e suspendo ante o passante e o cachorro? A senhora de bengala ou o carro que atravessa em alta velocidade? Meu perfume fica para alguém? Outros perfumes ficam em mim. Do homem que passa com o cigarro. Do mendigo que carrega sua trouxa-casa. Da moça que passa mordendo uma coxinha. Do frango da coxinha misturado ao perfume dela. Eu vou. Eles vão. Cada um segue seu caminho. Acomoda seu passo ao da multidão apressada e em alguns momentos, altera o fluxo dessa mesma multidão. Alguém com bengala e certa dificuldade de passar por obstáculos tantos muda o ritmo do passo e o fluxo do pensar. E eu vou sendo em cada coisa que me detenho e que detém a mim. Cada poça. As folhas sobre o desenho do piso. As ondas lá do mar que estão sob meus pés. A cor dos carros que passam em alta velocidade. Nasci aqui. Eu faço parte daqui. De tudo que me cruza e arrebata. De tudo que não me nota e me permite ser ninguém. Não há nome nem sobrenome. Há apenas a sobrevivência. O conseguir, entre o ir e o vir, voltar para a casca que nos define e separa. Nos faz alguém? E ainda assim tem sempre o fundo que varia e faz emergir a figura de outro jeito. Nomeia o alguém. Ou a coisa. Todas as coisas. O moço de chapéu tomando um café. As senhoras esperando a sessão de cinema. A maquiagem. A livraria repleta de desejos estampados em páginas para alguém folhear. O caixa onde se paga por esse desejo e depois esquecer isso nas letras que formam palavras. Formam ideias das coisas. A ideia das coisas é o que destaca quem se esbarra ou não. Até aqueles que se vestem iguais. Cada um é único debaixo das cascas. É figura que se vê ou não. É fundo que se vê ou não. Eu? Nem sei o que mais desejo senão me reconhecer assim. Nua e coberta de cascas. Todos os poros recobertos da fuligem, da brisa ou da falta dela, dos papéis que me estendem e eu pego. Cada um quer um lugar. Ocupa um lugar que depende da força que se imprime nesse querer e do espaço que os outros cedem. E assim alternam-se os espaços do que é fundo. Do que é figura. Do que é estar vivo ou morto. Do que é estar aqui. Consciente ou não. No visgo do olho, no respirar os momentos ou morder a fruta exposta num tabuleiro em meio à calçada. Indo ou vindo. Vivendo e latejando. Como diz o poeta Caio Meira, “O poema está à vista. Ao alcance da mão. Transbordando no bueiro”.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

ZEITGEBERS OU fatores de arrasto

ZEITGEBERS  ou fatores de arrasto

O livro “Você Quer o Que Deseja?” de Jorge Forbes, questiona se queremos, de fato, suportar nossos desejos. Nos sustentar no enorme vazio que o desejo abre em nós e como podemos entender e enfrentar o que possa derivar desse desejo, as coisas a que estamos submetidos e que nos arrastam. pra lá e pra cá. Ao repetir e escutar a pergunta que ele faz deparei com detalhes importantes: dúvidas, tomada de decisão, escolhas e claro, as renúncias! Sim, porque para pegar um caminho, leitor, é preciso “deixar” outro. E isso é que nem rapadura: É doce, mas não é mole não! Gera um estresse e um desconforto danado a ideia da “perda de algo”. De algo que muitas vezes, inclusive, não se tem. E tanta coisa pode ocorrer! Inclusive lutar para perseguir o desejo e logo após obtê-lo, desinteressar-se dele. O que aponta para outra árdua questão: de que nada possa ser suficiente na satisfação dos desejos. Porque seremos eternamente seres desejantes, sempre à procura do que é naquilo ou naquele que não é. teremos sim um eterno vazio. Talvez daí venha a beleza da poesia. Reconhecer o vazio e transformá-lo em imagem poética, na invenção do alheio que aponta para outro desejo: de inventar. De inventar-se. Re-inventar-se. Jorge Forbes fala que o artista talvez não a evite. que ele talvez busque atravessar essa fronteira, e estar ali, bem no meio da bifurcação. Na nevralgia. na fronteira. bem lá onde os músculos se estendem e ultrapassam seu potencial de estiramento. e nesse vivenciar o “arrebentar-se” ele inventa novas tensões. Altera a física, a química e a mecânica. Altera as possibilidades. É aí que fiz uma analogia com uma coisa que achei danada de bonita: zeitgebers sociais. Zeitgebers são fatores externos ao relógio de natureza rítmica que arrastam ritmos biológicos. Vem do alemão, Zeit=tempo; geber=dar. O ciclo claro-escuro é um exemplo. Zeitgeber social refere-se, então, a um conceito de ritmo social, aquele que é determinado pelas interações sociais de uma pessoa ou imposto por convenções sociais: “Vá para lá. Você deve fazer isso. Seguir por aqui. Ir por ali. Fazer desse jeito.” E o mais legal: zeitgebers sociais alteram zeitgebers biológicos e finalmente, alteram nosso comportamento. Por isso também se nomeiam “fatores de arrasto”. Algo que vem e detona uma mudança. FATUM. E onde isso ocorre com mais freqüência? Ali, bem na bifurcação, exatamente na fronteira entre um campo e outro. o estresse age, mudanças fisiológicas nos tomam, pressões sociais nos arrastam e lá vamos nós para o estiramento, para a angústia da escolha. Direto para a pergunta do autor: “Você quer o que você deseja?” Tentar responder a essa pergunta é o que podemos fazer quando nos vemos imersos em fatores de arrasto de toda ordem. Se não podemos evitar nem a bifurcação e nem o fluxo, podemos silenciar, escutar o “dentro” e com mais ou menos receio, mais ou menos medo, fazer uma aposta e tomar a direção. é isso o que nos pede o amor. e é isso que impede o arrasto. uma aposta.

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SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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