quarta-feira, 29 de março de 2017

SOL QUE NÃO SE MEXE


Eu escrevo para escavar, relatar e resgatar a dinâmica que algumas coisas podem ter: tempo, duração e sentido. Por exemplo: Na noite mais longa do ano, o sol - ao longo de sua dança ao redor da terra, em um momento específico (sim, tudo tem a hora certa) - faz uma espécie de pausa para depois, lentamente, retomar o caminho de volta. Esse momento funda a noite mais longa do ano e recebe o nome de Solstício, do latim, solis + sistere: “sol que não se mexe”. Talvez, pelo motivo-pausa, esse seja considerado um período de recolhimento. Período onde o que o que é escuro subverte o que é claro; talvez para nos permitir um "chacoalhar" por dentro. Porque coisas e pessoas gravitam para nos alcançar e nos fazer balançar por dentro. 

domingo, 26 de março de 2017

SOBRE GARIMPAR




Fotografia: Alexandre C Pereira



todo homem garimpa. todo homem garimpa e se sabe musgo. se sabe pedra e rajada de vento. se sabe banho de ofurô. todo homem garimpa até mesmo quando o fogo dos sonhos faz soar ao longe uma ocarina: todo o mais passa e fica nas molduras e rodapés. nas notas de pé de página. todo homem garimpa e é mais quando, pés n’água, carrega o horizonte nas mãos e nos olhos; a busca. todo homem, até em água benta, garimpa: silêncios e palavras: trampolins de onde salta para voar em papel de arroz. ladear talha-mares. todo homem garimpa. todo homem; música, perfume e voo. 

quinta-feira, 23 de março de 2017

CARTA DE DORA PARA FERNANDO

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Oi Fernando. sabe; eu gosto de você. gosto também de luz indireta mas há momentos em que é preciso por luz direto no foco. um não sei que pedaço de memória me arrebatou do infinito onde eu estava até esse de agora. foram talvez palavras que, em algum momento, me suspenderam e eu pude quase repousar sobre elas. sim, era macio. depois, foram outros movimentos que me conduziam a um quase susto. o coração disparava em saltos e eu saltava junto. não sei, penso agora em possíveis modos para a paixão. é. eu gosto de você. gostei assim que vi. mas depois houve um silêncio que me escapava.  um rastro de medo que eu não tenho em mim. coisa fugidia que quer escapar. não sei. talvez por isso, entre umas melhores e outras maltraçadas linhas repletas de azulesferográfica e talvez um odor amigo com resquício de componente hormonal, ou no caso, a falta dele, e somado àquela boa e velha tendência patológica que tenho à melancolia, é que escrevo essa carta. eu daqui e você daí e o que se tem é cumplicidade em dia de faxina: vasculhar possibilidades em todos os fluidos e elementos corporais para depois, no consultório diante de um médico qualquer, histerizar: preciso de uma bateria completa de exames!. de quando em quando o fluxo de consciência é interrompido. se mistura com outros pulsos e macios. o amor à flor da pele tem pequenas veias que se incham e saem se esparramando e enervando o corpo todo. desde o pé até a face que avermelha diante de você. o médico, um remédio qualquer, o que pode impedir o coração de doer enquanto bate? deve haver algo entre essa alternância de dias de depressão intercalados com dias de euforia. deve ser psicose. na escala da cidade onde vivo, debaixo da chuva corriqueira e da umidade permanente, há dias de sol intenso sobre o encontro do rio com o mar e os desenhos que riscam a areia com essa mistura. um mar quase doce para se restar. ali o infinito faz caleidoscópio. faz peso e faz massa. faz volume para as coisas. e as coisas? bem, essas não tem paz. mas te deixo com a sua, Dora.



SOBRE GRAFIAS E MOVIMENTOS


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A moça bonita tem um desejo que formula e grafa, que movimenta seus pés e depois escorre em letras. Esse desejo; não tem pinça, bucha vegetal, óleo medicinal, pontas dos dedos e mesmo as unhas; não tem banhos de imersão, agulha, alicate de cutícula e sequer pomada para calos que possam dar jeito. Nada remove ou pode arrancar o desejo da moça que rodopia de um canto a outro da casa. O desejo não escuta outra voz que não seja a dela enquanto entoa o canto e enche a sala de som e dança. a moça bonita escreve e manipula farpas na pele, os peitos inchados e tudo que vaza e ela enfia no buraco da agulha e tece, enfia no fio da navalha e corta; enfia na sola dos pés e dança. 

sábado, 18 de março de 2017

O ASTRONAUTA Vinicius de Moraes, Baden Powell





Aha Oe Feei? Paul Gauguin


O ASTRONAUTA

Vinicius de Moraes, Baden Powell 

Quando me pergunto 
Se você existe mesmo, amor 
Entro logo em órbita 
No espaço de mim mesmo, amor 

Será que por acaso 
A flor sabe que é flor 
E a estrela Vênus 
Sabe ao menos 
Porque brilha mais bonita, amor 

O astronauta ao menos 
Viu que a Terra é toda azul, amor 
Isso é bom saber 
Porque é bom morar no azul, amor 

Mas você, sei lá 
Você é uma mulher, sim 
Você é linda porque é

segunda-feira, 13 de março de 2017

SOBRE AMORES

SOBRE AMORES ou para Tatá e Caetano


desabotoei os estames de mim desde os filetes até a porção mais alongada que protegia o pólen. rompimento. agora um olhar antigo e gineceu se estende sobre o sofá. desdobra sobre a possibilidade da fecundação. cabe o universo ali.




domingo, 12 de março de 2017

ESSE NÃO É UM POEMA DE AMOR



https://poemargens.blogspot.com.br


POEMA DE AMOR CONCRETO (muito embora, substantivo abstrato...) rebento.


olha, esse poema não tem motivo nem razão. não é sobre aquele instante, nem mesmo o fugidio. é sobre antes, sobre o vento, sobre a canção que tinha no meio. não é sobre o infinito (mesmo esse entre aquele e agora). nem é sobre antes. é talvez sobre silêncio. sobre coragem. esse poema não fala de distância. não fala de caminho. nem mesmo fala daquilo que escapa - de mãos que se soltam, (mesmo assim, balançando ao longo do corpo) - no meio do caminho. não fala sequer do que não se disse e se deixou ficar na borda, entretido em grãos de areia, (bem ali, vê?). é talvez sobre cor. sobre cócegas nos pés em meio ao caminhar... aliás, esse poema não é de amor e nem é para você. tampouco tem a ver com os riscos do seu sorriso ou do meu. é talvez sobre um instante em que o ar suspende e sem ao menos saber como, a gente fica sem ar.



quarta-feira, 8 de março de 2017

O ORNITORRINCO






de frente para a tv deparo com um ornitorrinco. penso em mim como um mix genético. penso quedas de meteoros e em adaptação. uma vida semi-aquática e noturna. rios e cursos de água. penso em Iemanjá. salve, Rainha. o ornitorrinco é um mamífero espinhoso e ainda assim pões ovos. verte leite pelas glândulas que depois escorre para alimentar os filhotes. somos tão esquisitos eu e ele. bico grande e pés de pato. ele é um bicho um pouco obsoleto. um pouco esquisito.  por cinco minutos, admoesto tudo que não seja o aqui onde me livro e me invalido de mim. imagem antiga. resto na preguiça da fratura. na lírica dos papéis espalhados no chão.  

olhando para ele penso na vida como uma contradição complexa entre voar, rastejar e ser mamífero. como possibilidade de mergulho. posso restar submersa por cinco minutos. vida e música. tempo, ritmo e pausa. o ornitorrinco, a vida, o fim e o começo das coisas: arranjo e musica. penso uma moldura para a imagem que vejo: para ele. uma moldura que lhe irradie as vértebras expostas. que pressuponha um caminhar desajustado e biônico. que, bem no debaixo do bico, proponha talvez um desejo musical e atômico à espera de mudança. o ornitorrinco habita um campo harmônico e mais ao fundo gira a roda da vida. ele resta na preguiça da fratura. na lírica dos papéis espalhados no chão. 




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SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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