sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

LUZES DE NATAL


Olá, leitor. As festas de final de ano apontam luz por toda parte. Luzes dessa época. Então me vi a pensar para que serve a luz. Como a farinha, que agrega o que está separado e dá consistência ao que não tem, a luz tem suas qualidades. Iluminar o que está escuro. Dar a ver. Que significa propiciar a possibilidade de se poder enxergar. É certo que isso pode ocorrer a qualquer momento, mas a simbologia tem uma força indiscutível. Que nem a luz. Evidencia e pronto. Você não vê se não quer. Sempre aponta algo. Pode ser forte e ofuscante, clareando a ponto de cegar, e pode ser um pontinho bem fraco vindo do abajur. Cria clima. Favorece ângulos. Evidencia ou não os defeitos. Pois é, leitor. A luz evidencia defeitos. Evidencia a vida como ela é. Nessa época tem as luzes de natal. Casas e comércios se iluminam e cidades inteiras exibem suas árvores iluminadas. De garrafa pet, com LED ou de que jeito for, transformam o vivenciar a cidade. É certo que o tanto que falta nessas mesmas cidades não se apaga diante de tanta iluminação. Educação, assistência médica, saneamento básico e segurança. Mas pode ser ofuscado. Assim é a luz. Entre outras tantas coisas, é fenômeno que propaga energia e potencializa nossa crença. Nossa aposta num desejo de bons tempos e na ideia de que aquilo que não possui luz própria, ou a tem em baixa, quando iluminado possa absorver e refletir. Que nem a lua. E dentro da imensidão das coisas relativas à luz, isso é apenas uma pequena parte. Quanto mais pensamos, mais vemos que o assunto ilumina e abre perspectivas. Isso porque nem falamos nas lentes que filtram o olhar, que dão convergência, divergência, distorção, profundidade de campo, mais ou menos foco e outros tantos artifícios que fazem parte do universo de fotógrafos, iluminadores e diretores de imagens. A iluminação é cinematográfica. Altera a perspectiva de quem está vendo, mexe com o imaginário. Esconde, evidencia, nubla, abre o olhar de quem olha. Além disso, tem a luz que o ser humano possui. Que aquece, contagia e alimenta. Que nesse natal, todos os espectros da luz e dessa influência possam ampliar nosso olhar. Nesse âmbito de luzes fugazes e passageiras, que acendem e apagam muitas vezes preenchendo nosso espírito nessa mesma freqüência, que a luz que recebemos e transmitimos não seja passageira. Que possamos reconhecê-la e ampliá-la. E que possa perdurar por todo o ano, independente da crença e do que venha pela frente. Que possamos nos envolver com isso de forma continuada. E replicar esse espírito por todo o ano. Por todo lugar deixar a luz iluminar e dimensionar o contato. Abrir espaço para a luz. Com palavras, gestos e ações que não se apagam. Lindas festas para você, leitor. E muita luz para todos nós. Dessa que ilumina, amplia, dá consistência, alimenta e perdura.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ANA


Demônios são coisas que se acendem e descascam por dentro. Que nem mexerica. Gomo por gomo. Sulco e bagaço. Cheiro impregnado no ar. Ana pensa nisso enquanto o olhar do médico a sabatina. Odeia esse olhar de quem nada sabe do outro e busca atribuir-lhe um diagnóstico. Repete maquinalmente o 33. Caso ele perguntasse, diria que nasceu às 17:53 de um outono distante. As folhas caindo no quintal da casa e tingindo a grama de pós-verão. Sabe o que é pós-verão, doutor? Repita 33. Horário de verão e calor sepulcral na cidade de concreto. Olhos nostálgicos castanho-esverdeados. Sente dores? Eu sou muitas dores. Inclusive as suas. Vai pensando que esse aparelhinho que ausculta nada pode saber dela. Nomear o que borbulha? Impossível. Você fica aí se escondendo atrás desse branco e nem sequer imagina o que palpita na esfera da epiderme. Ossos e músculos me carregam sobre alcunhas diversas e eu existo suturada, doutor. Aberta e precipitada. Esse aparelhinho nada dirá. Nada sabe de mim. Apenas que palpito. Ora mais, ora menos. Os sons internos do meu corpo nada dirão, exceto bobagens. Aliás, doutor, eu vomito bobagens, sabe? Exagero nas cores do que me anima e na amplitude do meu abandono. Coleciono xícaras de café e na estante empilho CDs em linguagem diametralmente oposta às boas leis estruturais. Sou neurologista, doutor. Leio radiografias, reconheço lesões e nervos entranhados. Ausculto possibilidades na esfera de minha existência. Também da sua. Aspiro à fugas e insanos instantes. Sabe diagnosticar isso? Teorias mutantes tramelam seus estampidos e ecoam no aparelho metálico: 33,33,33. E tudo que sabe de mim é que meu coração bate. Meu estômago reverbera. Mas é só saliva que engulo desde ontem à noite. Simples, não é? Meus rins ressoam porque filtram toda sorte de pseudoentendimentos do que eu possa ter, do que eu possa ser. E o fígado tenta inerte metabolizar minha existência. Os órgãos sequer desconfiam que nada seriam sem o que me vai aqui, ó. Bem dentro da minha cabeça. Esse aparelho aí ausculta a cabeça, doutor? Garanto que não. Escuta. Eu só quero que me escute. Tem tempo para isso? Outro dia me internaram. Fiquei maluca com a violência da coisa. Eu presa naquela cama e aquela coisa me entrando pela veia. Aquele branco. É vida isso? Eu vim para a terra para espalhar a mensagem. Contar tudo que escuto. Os fios dentro da minha cabeça são como telefone antigo. Ligo e desligo os pinos. O tempo todo eu escuto. A minha missão é simplesmente revelar a verdade e os espaços. O eterno, o infinito. Aquilo que eu vi. Eu sei porque eu vi. E os espaços, sejam eles verdade ou mentira, são sujos. Debaixo desse branco todo aqui tem sujeira, doutor. Bactérias, vírus, papilomas. Os papilomas estão por toda parte nas mulheres. Querem-nas. Estejam onde estiverem. E eu estou em toda parte. Que nem os papilomas, as leptospiroses. Até aquele líquido que entrava em mim pela agulha era eu. Porque sou líquida, sou sólida. Eu sou imaterial. E não escondo não a minha mão. Eu mostro. Jogo a pedra e mostro a mão. O líquido quer me dopar, mas eu não quero. Querem me nomear, doutor. Mas eu não deixo. O que transborda em mim grito em palavras estampadas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A REVOLTA DE MARIA


Maria é moça de muita candura e delicadeza. Tão singela que Jair tem medo de tocar. Tem medo dela desmanchar. Ela diz para ele que isso tudo é fachada, que por dentro, é pura fortaleza. Ele estranha. Há, de fato, muita coisa que lhe escapa. Por exemplo: as respostas inadvertidas. Nunca consegue sabê-las. Nunca está preparado quando Maria as dá. Assim mesmo: sem a menor delicadeza e no meio daquela candura toda, ela solta a farpa doída que o atravessa. Jair pensa sobre isso. Conversa com os amigos. Pede a Maria que olhe com cuidado para isso, que entenda porque reage assim. Ela desacata. Diz a ele que o que causa estranhamento em si é a doçura que ele contempla. O sorriso que escapa da boca e ela não quer dar. O espaço que ela abre e não quer abrir. Houve um tempo em que sentia mesmo certo estranhamento quando isso acontecia. Vinha de dentro, de sabe lá onde, e irrompia. Mas agora sente que isso passou. Sabe que não quer conter a volúpia dessa vida escondida debaixo da candura. Aliás, candura que ela odeia. Vontade mesmo, ela tem de mostrar os dentes. Jair diz: sorria, minha prenda. Se quer mostrar os dentes, sorria. É tão doce o seu sorriso. Maria olha Jair bem dentro dos olhos que lhe pedem a candura. Pensa o que ele quer, de fato, com esse pedido. Advinha que ele não quer ter que se bater com seus dentes. Seus caninos. Mas Maria quer o confronto. Já não agüenta a docilidade que grudou nela e compõe a cara que ela tem e Jair adora. Não agüenta mais a meiguice que a habita e não lhe pertence. Não lhe pertence. Maria sabe seus espinhos. Cultiva-os. Sabe também que é preciso encontrar a justa matemática. Mas não agora. Por ora desespera-se com tanto sorriso que lhe vem de dentro. Pergunta de que entranhas vem. De que entranhas? Esse sorriso que chega na boca e suaviza o passo de quem olha para ela. Quer agora que suavizem o seu passo. Olha Jair e vê isso nele. Um desejo de que ela seja travesseiro, colchão, espuma qualquer onde ele possa afundar o peso de seu corpo e lá deixar sua marca. Lá moldar-se. Maria não quer mais ser espuma que se molda facilmente com o peso dos corpos. Quer ser tábua. Incomodar e forçar mudanças de posição. Lá dentro da candura que Jair vê e deseja mais e mais, ela quer o susto. O desconforto do outro para variar um pouco. Dentro de si ela sabe. Deseja, na justa medida, se destituir da maciez que grudou na sua cara, no seu jeito. Quer olhar de cima e deixar fluir água, fogo, avalanche, hecatombe e o que vier. Quer ver isso passar por ela. Quer o fenômeno tal como é. E sabe que isso não pode ser lido em cartas climáticas, cartas de tarô ou qualquer outro tipo de leitura. Sabe que isso tem que assustar. Causar desconforto. Até para ela. Jair vai se afastar. Pedro, Janaína, Isaura e Bete. Mas Maria vai passar arrastando o vestido no vermelho do tapete e sorrindo na boca o desejo que a move. Todos vão saber e invejar. E ela não vai sorrir encorajando, abrindo seu espaço. Vai seguir. Quem quiser, que aumente o peso do seu corpo e procure espumas para se moldar. Maria agora vai ser a tábua que há por baixo da espuma. Osso duro de roer. Espinho. Colchão ortopédico. Quem quiser que ajeite sua casca à dela. Arrume pirógrafo, faca ou canivete e aprenda a inscrever-se na sua nova superfície. Que mude a posição quando o osso do quadril sentir que ali não é mais o seu espaço, mas o dela. O espaço de Maria. São as superfícies que se relacionam, não são? Quer sentar no pudim, José? Comigo, não!

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