quinta-feira, 28 de julho de 2011

AMY WINEHOUSE

AMY WINEHOUSE

É verão. Durante a noite a lua estará em seu quarto minguante no Atlântico Norte. Brilhará, ainda que a temperatura tenha caído. Talvez o vento sudoeste que flanasse a 8 km por hora fosse o suficiente para dar arranque nalgum moinho e talvez isso gerasse energia para alguém em algum lugar. Talvez folhas rodopiassem num canto qualquer fazendo com ele uma valsa, uma reza, um pedido. Talvez pequenos blocos de átomos se movimentassem num jogo de agregar e desagregar moléculas. Não importa. Fechando os olhos parece ser possível escutar um canto que vem da alma. Com todo o drama que pode haver em almas. Talvez fosse uma canção Soul, que ironicamente, significa alma. Um gênero de música que nasceu do rhythm and blues e do gospel durante o final de 1950 e início de 1960. Talvez. Não importa. Talvez tenha escolhido o gênero pela imensidão que ele carrega. E conjugou em si todo o desejo pulsante que flui com a melodia. Torvelinho de caos e dores. E fez isso em primeira pessoa. Nem era preciso ver para sentir. Bastava fechar os olhos e escutá-la. Escutar sua voz e letra. Voz e mensagem. A emotividade contida em meio aos ornamentos e aos improvisos. Surpresa e suspensão. Contágio. Musa e mulher. Diva de pés descalços sobre um tanto de angústia e apelo. Interpretação dramática e genuína que nascia de um viver com intensidade. Com excessos correlatos ou não. Um vivenciar de corpo inteiro. Como quem está no mundo e suplica a transposição e a transvaloração das coisas. De zero a 1000 em vinte e sete anos, se uma vida pode, de algum modo, ser medida desse modo ou de um modo qualquer. Não desejava medidas. Desejava a intensidade.  Em alta velocidade desenhou sua história para agora dar sua graça noutras paragens. Teria sentido desabrochar um desejo de inverter o estado das coisas?  Um sopro de sobrevida antes da palavra calar? Antes de a boca fechar? Ninguém saberá. Não bastasse a intensidade da interpretação, escrevia as letras das canções. Escrevia pungências. Tinha coisas para dizer e disse em meio ao vermelho sempre misturado. Sempre como pano de fundo. Até o final. Gostava muito da música Monkey Man, de Frederick Hibbert: . “Nunca vi você, só ouvi de você. Abraçando o grande homem macaco. É mentira sua, é mentira sua. Abraçando o grande homem macaco. Agora eu sei disso, agora eu compreendo. Abraçando o grande homem macaco. la la la, la la”. Cantava em quase todos os shows. Um gosto que talvez falasse dela. Um gosto permeado de estranhezas e com um tom muito familiar. Não importa. Cada olhar para ela desperta os mais diversos estranhamentos. Olhares diversos e, igualmente, de uma estranheza familiar. Não importa, ou pelo menos, não importa mais. A temperatura varia entre 16 e 18 graus.  O céu é nublado e a umidade está em 64%. A despeito da previsão de sol entre nuvens para o domingo, é sábado e ela morre dentro de seu quarto.

quinta-feira, 21 de julho de 2011


OLÍVIA, ULYSSES E AS MANGAS

Quando Ulysses disse para Olívia que ia embora, ela ficou, assim por dentro, tão feliz. Não demonstrou, é claro, isso para ele. Ao contrário, assustou-se, quase indignada. E essa demonstração não era mentirosa, afinal perguntava-se o que tinha dado nele para dizer isso dessa maneira. Ela não podia encher a boca e dizer: “Sou feliz”. Mas vivia bem, achava. Ontem mesmo foram ao cinema, comeram pipoca e ficaram um longo tempo conversando sobre o filme enquanto tomavam um café. Isso sem contar o fim de semana na praia, o sol aquecendo seus corpos em meio ao inverno que fazia na sombra. Ela quase sente de novo o quanto estava bom. De qualquer modo, volta a si e a seus questionamentos. Isso tudo não tem nexo. “Ulysses, isso não faz nenhum sentido”. Não cabe aqui dizer o que ele disse. Foram tantas palavras simples e definitivas que a Olívia coube responder “tchau” quando ele finalmente se encaminhou para a porta e disse um “eu vou – a gente se fala”. Agora, depois de um banho prolongado, ela resta dentro do roupão com os cabelos molhados. O que ela teria feito para despertar nele esse rompante? As palavras que ele disse, somadas, não disseram uma só que tivesse um significado para ela. Mas ela está, finalmente, livre. Isso tem significado. Não está dando pulos pela sala porque ainda está submetida ao arrasto do susto. Amanhã pulará. Tamborila os dedos no braço da poltrona onde ele sempre se sentava. Qualquer lugar na casa agora é dela e mais todo o resto. Livros, discos e os quadros. Todas as coisas de que ele gostava tanto. Arranjará outras coisas para gostar. Olívia tem certeza disso. E ela? Sente um formigamento nas pernas, algo que lhe impulsiona a buscar o celular e ligar para Ulysses. Que bobagem... Esperou anos para que ele tivesse essa atitude e agora vai ligar? Pedir para ele voltar? De jeito nenhum. Pensa nas atitudes que devem ser tomadas quando alguém quer fazer regime. Sentiu fome fora de hora? Tome água. É isso que ele deve fazer. Vai tomar uma taça de vinho e acabará esquecendo esse desejo infantil. É maio e o vinho vai combinar perfeitamente com o que ela vai preparar para comer. Campeia no armário algo que possa lhe servir. Ele ia ao mercado e acabou não indo... Isso, junto com tantas outras coisas, agora será com ela. Deixa o pensamento passar. Espia na fruteira duas mangas exalando cheiro que Ulysses tinha trazido para sobremesa. Quase escuta sua voz dizer que elas olharam para ele e pediram: Me leve! Ele ouvia o desejo das coisas e assim fez. Agora é com ela. Pega uma, descasca e corta em pedaços de bom tamanho. Amassa um dente de alho bem miudinho e doura na frigideira com um pouquinho de manteiga. Doura e refoga ligeiramente os pedaços da fruta. Na cozinha, desfruta da iguaria amanteigada. Sorve a vida entre os dedos. Polpa agridoce e quente. No mais, amanhã ela pensa e resolve. Provando a fruta assim, saboreia o inusitado da vida e sorri ao imaginar o que Ulysses diria da mistura. Ele ia gostar, está certa disso. Qualquer dia liga para ele e convida para jantar. Se ainda tiver a dúvida que tem agora, perguntará também porquê foi embora. E se ele se sentir à vontade, ele diz. Caso contrário, desfrutam a fruta. Para ela está tudo bem.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

SUZANA

Suzana está aguda. Olha-se no espelho e diz com voz firme: É hoje. Olha mais uma vez: De hoje não passa, Su. Afinal, tem que ser carinhosa com ela mesma nessa hora de enfrentamentos. Toma um café mais forte que o habitual e solta todo o verbo de frente para o espelho. Escuta a sonoridade das palavras. Deixa que ocupem o espaço que precisam ocupar. Começa a sentir algo se deslocar dentro dela, mas nem atina com o que vai acontecer. Só dá tempo de empurrar a cachorrinha e se jogar por cima da mesa de canto e dos cacarecos todos que estão lá. Espreme o berimbau contra o canto da parede e sente a haste a lhe esmagar as costelas. Toca o instrumento com as vísceras. Deixa o estrondo gerado pela queda terminar seu ressoar dentro dela e pensa no susto dos vizinhos. Principalmente no de baixo. Fazer o que quê? Armários caem. Isso acontece. Mas não às quinze para as duas da manhã. Continua sobre a mesa pensando o porquê daquele desabar. Será cupim? Bruxaria. Isso sim. Um móvel desse não desaba assim. Não pode ver, mas imagina o espelho de cristal todo estilhaçado. A maçaneta de louça que ela comprou em um brechó em Buenos Aires, idem. Pipoca, enfiada que ficou no canto perto da mesa quando foi empurrada, ainda lá está. Olha para Suzana, com cara de interrogação? Na verdade, o olhar dela parece mais de alívio. Elas se entendem. Um armário ir ao chão é algo muito simbólico. Inda mais aquele armário. Trazia tanta história dentro que pesava toneladas mesmo vazio. E vinha sendo arrastado por Suzana há muitos anos. Era hora mesmo disso acabar. Bom seria se ela o tivesse lançado ao chão. Mas como? O armário, igual certas coisas na vida, era difícil de derrubar. O que ela sentia por ele era um misto de preservação e culpa. Amor e ódio. Devoção e desdém. Então a vida fez isso por ela. Jogou o armário, de angústias e sentimentos controversos, no chão. Suzana, moça que também é muito viajada em si, acha ainda mais simbólico a queda do armário justamente nessa noite. Durante o dia, passou sua hora inteira de análise desconstruindo o armário e tudo que ele significava. Lembra de alguém dizendo que as palavras têm poder. Acha que de fato elas têm. A consubstanciação disso é o armário atravessado no meio da sala. Não fosse agora quase 3 da manhã, pegaria o martelo na lavanderia e terminaria o serviço sabe lá de quem. Martelaria até restarem pedaços de bom tamanho para a lareira e teria uma noite calorosa. Abriria uma garrafa de vinho e poderia sorver, aos goles, sua libertação. A queda do armário. Não tem problema. De uma hora para outra seus pensamentos transfiguraram-se em noite. E o azul da noite seda qualquer coisa nela. A trilogia de Krzysztof Kieslowski diz que a Liberdade é azul. Na noite, a perda de Suzana é azul, e nesse momento, ela pode justapor-se a ela e dizer “está tudo blue”. Adentrar a utópica liberdade da cena. Respirar a queda do armário. Amanhã, Suzana põe toda a madeira para queimar. É lenha, não é armário.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

MARISA E AS PALAVRAS

Marisa é moça leitora, mas não leitora como os leitores de fato. Não lê também como os escritores, que dizem, precisam ler muito. Ela apenas ama as palavras e ama certas formas delas se encadearem. Pensa que algumas palavras têm ímãs para outras, e juntas formam coisas engraçadas. Coisas tristes. Coisas belas. Marisa acha que algumas palavras vêm dentro de uma espécie de saco quando as pessoas nascem. A bolsa estoura e caem o nenê e as palavras... Palavras de tantos tipos. De todos os tipos. De tipos que a gente nem imagina. Talvez nem todas sejam lembradas, mas Marisa acredita que ficam em algum lugar dentro de nós. Um lugar onde procuraremos sempre por elas sem jamais achar. Quais foram mesmo? Essas palavras, Marisa imagina que moram debaixo da pele. Entre a derme e a epiderme. Outras ficam em camadas mais profundas e por isso não se pode pinçá-las a qualquer hora. Diz que é preciso muito cuidado na busca por palavras entranhadas. Os pensamentos por vezes usam as palavras que estão nos subterrâneos. Eles emergem pela força propulsora delas. Marisa diz que são como foguetes disparados por controle remoto dos píncaros de algum lugar. Não se sabe o autor e nem o nome desse desconhecido que aperta o botão. Certos pensamentos vêm e pronto. Não dá tempo de evitar o disparo. Ela diz que é acidente. Simples assim. Por isso Marisa caminha sem parar. Sai de um lugar para ir a outro lugar. Não fossem os carros, ela nem pararia. Acha que certos carros são como os pensamentos. Vêm não sabe de onde e quando se percebe só dá tempo de ser acossado pelo susto. Por isso ela não lê. Ela apenas olha as coisas que estão escritas. Ama as palavras, seus duplos sentidos e os equívocos que se instauram quando fazemos uso delas. Ao passar os olhos por coisas escritas, de quando em quando algo lhe salta. Então ela aproveita o impulso e se desloca. Marisa gosta da palavra “desloca”. Uma palavra bonita que para a física, significa o deslocamento de um corpo, a variação de posição de um móvel dentro de uma trajetória determinada. A porção da trajetória pela qual o móvel se deslocou. E aí tudo muda para Marisa. Nos seus deslocamentos ela subverte a física da trajetória determinada e se ri. Diz que seus passos são, definitivamente, indeterminados e por isso tropeçam no tentar seguir seus pensamentos. Os pensamentos de Marisa voam e ela queria correr mais para voar com eles. Não pode. Lembra-se que eles são disparados pela força das palavras e então deixa que eles deslizem por ela sem tentar prendê-los. Sente o fluxo das idéias e segue. Dobra e desdobra sobre cada coisa. Às vezes estaca. Diz que estacar assusta o foguete dos pensamentos. Libera palavras subterrâneas da pressão de querer sair. Então estaca diante da folha que redemoinha num canto da calçada ou nos olhares que redemoinham seu olhar. Isso é quando ela se deixa capturar e fica muda. É quando ela mergulha em seus recuos. Marisa diz que nessas ocasiões tudo o mais se ausenta. Até o pensamento. E não tem carranca, trator nem alavanca que a faça falar.

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