quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

MADALENA

Madalena
Ela levanta todas as manhãs com os olhos rasos – prediz as circunstâncias do dia que se elabora (ainda é incerto se o sol brilhará pela manhã ou só despontará pelo meio da tarde) e põe os pés sobre o tapete. Sente as fibras do junco. Lembra da Bahia. Faz uma prece ao seu santo e ergue-se, bípede que é. Não suspeita das dificuldades de um parto por conta disso! Sermos bípedes e termos cabeça grande. Tudo bem. A seleção natural explica. Ela sabe apenas que pode caminhar sobre duas pernas – isso lhe basta. Lava o rosto e se demora no espelho. Alisa a pele com o creme. Isso a restitui do ontem, do silêncio que agora já não faz eco em seus ouvidos. Deixa escorregar o vestido sobre o corpo que desperta e veste a sandália. Miss, atravessa a sala em direção à cozinha. Para uma vez mais no espelho que há no meio do caminho. Confere. “Está tudo bem”. “Volto logo”. Prepara o café na cafeteira expressa – aguarda que comece a subir – o barulho, a fumaça, o cheiro que verte pelos azulejos e toma a sala (até o quarto vazio) e a casa vizinha com a janela aberta. Verte-o então na porcelana da xícara, sobre o açúcar e a expectativa. Sorve de gole em gole enquanto amealha suas coisas e põe na bolsa. Pega as chaves. “Logo estarei de volta”. Olha a sala mais uma vez, mais uma vez se olha no espelho. Sai e deixa a porta bater atrás de si. Tranca. Ela tranca a casa só. Sua casa. “Volto já”, ela pensa. Já na rua, enquanto caminha bípede, pensa: “Eu não me rastejo”. “Eu não ando sobre quatro patas”. Nem decifra que assim, talvez, as coisas ao menos parecessem mais fluidas. Até seu nascimento. (Viria pronta para tocar o chão, quadrúpede e com o crânio relativamente menor). Não se suspeita produto da evolução, de seleção natural. Dentro ou fora do pool genético para o melhor desenvolvimento das futuras gerações. Apenas caminha e expele dos pulmões o ar e respira um outro tanto dele. Apenas sente o peso da bolsa atravessada no tronco, (Uma espécie de abraço – alguém disse para ela) e diminui a distância entre ela e aonde vai. Entre o que vai fazer e ainda não fez. Mas deu quase todos os passos necessários até agora. Mais alguns e estará defronte ao momento. Para. “Não vou”. “Eu não vou”, repete para si. E não vai. Segue a suspeita. A intuição a guia de modo quase inquestionável. Algumas vezes duvida. Hoje não. Uma cadeia toda de moléculas acionando a resposta. Forças espessas impelindo o ato, acionando hormônios, acionando neurônios e sinapses. Gira nos calcanhares e retoma os passos (as setas dentro). Madalena é, absolutamente, fruto da evolução. Fruto do indizível que perpetua suas lógicas. Ao destrancar a porta, respira um pouco mais o café que ainda está lá, se olha de novo no espelho. “Pronto. estou aqui”. Atrás da cortina, e atrás das nuvens por trás das cortinas, o sol não brilha. “Talvez desponte no meio da tarde”. Pega o elástico sobre a mesa e prende os cabelos.

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