quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


DA SÉRIE CARTA ENTRE AMIGAS: O PÊNDULO DE CHARPY

ILUSTRAÇÃO: OLI


Uma amiga me escreve e diz sobre suas saudades, que gostaria de me ver mas que agora está furiosa atrás de trabalho e também aguardando a resposta de uma senhora para alugar um espaço na casa dela.

Diz que seu irmão mora nesse lugar e tem uma suíte vaga sobre a casa dele com entrada independente. Ela diz que quer esse lugar – ao menos até que saia o resultado de uma próxima batalha que irá enfrentar (despejo de sua inquilina), depois

da qual poderá ficar na casa
de sua família e tudo será mais tranquilo. Por ora, a guerra está feia. E pede que eu torça por ela – que pode parecer pouco, mas para quem nunca pensou nessas questões de sobrevivência, o ar fica de guerra mesmo.

Minha doida e querida amiga: “Todo dia acordando para a luta, achando que o inimigo tem arsenal atômico e ela apenas um estilingue”. E a queridíssima continua e me diz que, ainda por cima, como se o tudo já não

bastasse, resolveu nesse momento delicado ler Nietzsche,

e diz: “Cara doido! Coerente, rasgante, uma paulada na testa”. O que aconteceu? As poucas afirmativas que tinha caíram por terra depois disso! Me pergunta sorrateira: “Você não tem uma casa ou apartamento para alugar para mim? Conhece alguém que precise de uma faz-tudo? Minha amiga diz estar pronta para qualquer coisa. E arremata: “Que venga el toro.”


Ela testa sua elasticidade. Admitiu que não pode

viver de outro jeito e que, definitivamente, não pertence ao grupo daqueles mais líquidos. Tudo que passa por ela passa retumbando. Depois, divaga, fala de uns textos meus que andou lendo, umas cartas publicadas.

Diz que amou ler as tais cartas, e que, embora não endereçadas diretamente a ela, a atingiram tão diretamente. Me diz: “Sabe aquela impressão de sentar num banco quente no ônibus? Você não viu a pessoa, não sabe a cara dela, mas acaba
de senti-la, pode até intuir seu peso, sua altura e sabe que a bunda é quente pacas. “Minha doida amiga. Diz aquelas verdades íntimas que por vezes ficam empoeiradas no fundo dos seres. Diz porque se permite sentir. Faz movimentos que poderiam quase parecer irrelevantes para ser feliz – como soltar os dentes da frente (são próteses, leitor) e, nua, de frente pro espelho nesse
desnudamento, amar-se, sorrir para si própria sem os dentes da frente, sentindo a doçura de amar-se assim.

A capacidade de resiliência ou nossa capacidade para resistir aos impactos, a definição disso tudo e imbricação com o nosso íntimo mais íntimo me confunde. No teste de Charpy, um pêndulo é liberado e,

ao chocar-se com o corpo de
provas do material a ser testado, perde energia e continua seu trajeto até um ponto zero. A energia absorvida pelo corpo de provas é o que vai medir a resiliência do material.
Em outras palavras, vai dar o tamanho da sua capacidade de resistir aos impactos... Isso tudo fica tão distante quando penso na capacidade
que adquirimos, eu e ela, de suportar tanta coisa, força progressiva ou impactante, simplesmente porque nos
temos. Mesmo estando ela lá e eu cá. Nos temos.

Diz que tem saudades de mim. Eu tenho muita saudade dela também. Por ora, prefiro deixar de lado essas questões sobre resiliência, tenacidade e tudo o mais que emprestamos da física. Eu não sou corpo de provas. Prefiro as palavras da minha amiga: ela disse que somos como polvo e cabemos numa garrafa, que apesar do tamanho, somos

assim, plásticas. 

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