quinta-feira, 11 de agosto de 2011


CÉLIA É UM MAMÍFERO

Célia, funcionária de uma empresa de telefonia móvel, olhando-se no espelho, admite que é um mamífero. Afinal, tem sangue quente e respira pelos pulmões. Quando está na água e usa o snorkel, sente-se inadvertidamente adaptada e em comunhão com as espécies todas que ela descortina. É sociável dentro e fora da água. Olhando a coisa desse modo, pensa que o que de fato lhe falta são nadadeiras. Olha seu corpo com cuidado, os braços e pernas que podem movê-la. As narinas para respirar. Tudo a contento. O que lhe falta mesmo é uma grande cauda, como as baleias. Algo que dê propulsão ao seu desejo de deslocamento. E mais uma grande camada de gordura para ajudar na flutuação e manter o calor. De posse desses itens, não tem dúvida de que atravessaria o Atlântico e todos os mares. Faria grandes travessias e de quando em quando iria emergir e expelir o ar quente e úmido dos pulmões. Daria um show formando colunas de água cada vez mais altas. Sabe que é bom poder habitar e desabitar as profundezas. No caso da baleia, bom e uma questão de sobrevivência quando rondada por caçadores. De qualquer modo, é claro que com essas propriedades, não lhe faltaria o canto e nem sublime audição para se localizar na imensidão dos mares e fazer contato com os seus. Pensa que deve ser por isso que quando canta sente-se absolutamente em comunhão. Lembra de ter lido que as baleias, quando se comunicam em distâncias superiores a que 24 km, fazem essa troca através de uma mesma janela de freqüência. Em função de seu trabalho, faz logo analogia ao verificar que usuários de telefone celular também se sintonizam nas áreas mais silenciosas do espectro sonoro. Atenta para a obviedade do fato de que a comunicação entre as baleias seja feita através de uma mesma janela de freqüência. Sorri. Não pode mesmo haver contato em freqüências desconexas. Há que, minimamente, se o usar o mesmo canal. E nem assim há garantias de comunicação. Frases e palavras podem se perder no canal, irremediavelmente. Pensa que deve ser por isso que as baleias cantam. Porque cantar coloca o eu e o tu na mesma faixa. Deve ser nesses momentos de conexão que a baleia sofre uma alegria insana e salta rompendo a água com seu corpo de algumas toneladas. Quantos segundos ela poderia ficar suspensa nesse desejo, vencendo a gravidade da água? Dizem que nessas ocasiões as nadadeiras, normalmente atrofiadas, chegam a medir até 1/3 de seu comprimento. Elas quase pássaros em uma metamorfose movida pela alegria do contato. Um vôo de puro desejo. Sustentado por esse desejo. Célia está certa que quer comunicar e não tem medo de distâncias. A água tem propriedades acústicas onde o som se propaga mais rápido que no ar, e ela sabe fazer seu espadanar chegar onde quer. Sabe, a despeito do tom quase puro e de baixíssima freqüência com que se comunica, que sua combinação de estalidos é uma espécie de assinatura sonora que a identifica e chega ao seu interlocutor em sequências de pulsos e intervalos. De que modo ela poderia desejar mais?

2 comentários:

  1. Digamos que você fez um poema disfarçado em forma de crônica.Que coisa mais doce, mais linda, mais ...viajante!!! Parabéns pra vc garota que joga, assim feito a baleia, o cálido- ar-resíduo-do-desejo,que em ti, é fome saciada na palavra. Bj da Fatima/Laguna/SC

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  2. Querida Fátima... você sempre me compreendendo tanto e tão perfeitamente... obrigada pela cumplicidade. grande abraço desde o Rio até Laguna :)

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