sexta-feira, 6 de maio de 2011

NASCE MARIANA

A moça pergunta-se o que é Terra Natal. Escuta dizerem que tal qual o amor, é coisa única. Um só amor por vez. Uma só terra natal para se ter. Dizem. Mas Mariana, que só conhece o mundo e as coisas “de ouvir falar”, não pensa assim. Pois sente-se capaz de abrigar em si muito amor. Amor simultâneo por coisas, cidades e pessoas. Por isso ama Edgar e Rafael. O vestido com estampa de oncinha e os chinelos. Por isso navega nas ruas da cidade e diz: eu nasci aqui. A muitos lugares ela sente pertencer. Lembra-se das aulas do primário, dos símbolos de  pertence e não pertence, no agora Ensino Fundamental. Certas mudanças ela não administra bem. Pensa que fundamental é mesmo o amor. E isso não muda. Escuta a frase que vem de alguém e também outras. Ela não cansa de amar as mudanças. Todas elas. Até do tempo. Talvez porque assim vislumbre possibilidades de recriar-se e sair da mesmice a que todos estão destinados. Estamos todos destinados à mesmice! , diz apocalíptica. De todas as formas possíveis para uma mudança, ela prefere aquelas que não tecem motivos para acontecer. Sem razão ou razões para explicar ou justificar. Diz: gosto daquelas que se interpõem feito tiro – entre o disparo e o alvo. Talvez porque isso a pegue de súbito e ela se renda à surpresa. Ela adora surpresas que a surpreendam, que a suspendam. Um dia caminhava passos sonoros numa calçada da cidade. Vaporosa, balançava o vestido em seu rebolar e tirava e punha no chão a sandália espartana. As tiras amarrando carinhosamente o duro do tornozelo. Nem notou que logo à frente havia um duto de ventilação no desenho da calçada. Quando a lufada de ar se instalou debaixo do vestido, aparou-o com as mãos. O instante em que segurou a saia foi solapado pelo desejo de se largar ali. Brincar com o vento que queria brincar com ela. E debruçou-se sobre o evento. Deixou-se atravessar pela idéia, pela brincadeira. Ali mesmo, no meio da calçada, entre transeuntes e passantes, foi Marilyn Monroe. E porque era a sua cidade, sentiu deflagrar os rastilhos daquela experiência. Admite que qualquer rastilho pode ser mais que isso. E quer mais. Porque Mariana gosta mesmo de incendiar. De experimentar desassossegos, cheiros inusitados, rajadas de vento. Isso é estar no conflito. Como estar no sofá de uma sala de espera, somente no aguardo da sua vez de entrar. Dar ou receber o diagnóstico. Assinar ou não o contrato e assumir as prestações que a farão refém ou algoz. Os papéis todos da gaveta espalhados em cima da mesa. Um foco de luz roendo um pedaço do seu chão. Ela ama cada estrondo. Cada parede que desmorona. Disse para sua amiga que coragem não é ausência de medo – é o medo mais o desejo de fazer determinada coisa, de superar aquele medo. De novo a voz: Há desejo dos dois lados. Sim. Há sim. Deve ser por isso que toma o avião carregando apenas sua bolsa. Sabe que quando se tem muito a perder não há espaço para pensar. Esse é o caso e ela vai perder cada uma das suas coisas. E vai nascer num outro lugar repleto de coisas outras que vai amar e odiar. Uma outra terra natal.

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