domingo, 18 de julho de 2010

INTERAÇÕES

Agora que o encaracolado do cabelo começa a tomar forma, que os cachos passeiam sobre minha pele e as roupas sobre meu corpo têm a graça de uma criança arrumada pela mãe (exceto pelos lacinhos e tiarinhas); me encontro como aquela amiga; também pensando seriamente em tomar suco de formol com aloe vera. Preciso de flexibilidade, amiga! Há algum jeito de se conseguir isso sem essa garrafada? E minha pele? Está gritando por um tratamento de choque! Eu penso em tudo que Tiago não faz, não diz, não sente. Ele é não. Não, não... Ele não é. E eu fico sempre boiando nesse assombramento. Ele entra, sai, vai embora, desaparece por quatro meses e sempre reclama do cachorro quando volta. Reclama do cachorro, mas é ele que não sai do banheiro sem deixar no chão resquícios de si. Será tão difícil assim mirar o vaso sanitário? Digo, acertar a mira? Por isso e por tudo que não falo eu pedi para ele ir embora de uma vez. Assim simples mesmo. Como quem pede uma pizza. E disse pra ele: Minha casa é casa que tem cachorro, sem dúvida. Mas não tem porco. Agora não tem mais. Minha amiga diz que tenho um “corpo-aquário de vidro”. Acho tão bonito. Diz que sou um oceano de informação-tensão-desejo, mas que no cotidiano só se deixa ver peixinho de aquário. Diz que sou como um livro com absurda quantidade de feromônio inundando cada página. Será? De qualquer modo mandei Tiago embora. Mas minha casa ainda tem cheiro. E cheira sexo. “Não é nada palpável”, minha amiga diz: “Nada que se aponte. Talvez mais para a ideia de um quarto de motel, fartamente usado, lençóis impregnados, toalhas úmidas, resquícios de toda volúpia que houve ali e que se mantém. Mas o que resta é cheiro.... Essa coisa que é senão gatilho para a memória. Me lembro de desejos equivalentes que tive e retive. Dos olhares que também fingi não dar e daqueles lancinantes capazes de desvirtuá-lo. Me lembro de sons de lençóis sob corpos agitados, de respiração arfante, sons de sussurros”. Ah...minha amiga, isso é conversa de “closet”. Conversa com sensação de calor, profundidade, amorfa. Conversa que vai esvaindo, escorrendo.... Conversa “magma” - lava, vulcão, jato, uma coisa forte, quente, perigosa, vermelha, amarela, laranja, atraente, brilhante, letal, destruidora, formadora, imponente, respeitosa, temerosa, dolorida. Ah! De novo, seja como for, ela lembra daquela pizza que comemos, onde estava tudo tão escuro mas a bicicleta era amarela! “Eu, por mim vou até o cabeleireiro esse final de semana: fazer uma francesinha branca sobre o azul nas mãos, quase não vai chamar atenção”. E aí me conta que o escritório para quem ela presta serviço pediu um orçamento de projeto. Diz que a coisa é mega. Um canteiro para 200 homens no caminho para um lugar chamado Rurópolis. No meio do absoluto nada. Fala sobre as implicações logísticas e que ela deu o preço, mas tem certeza que eles arranjarão quem faça por 1/4 do valor. E conta também que a hidrelétrica fez contato com ela. Diz que se ofereceu e que eles não aceitaram sob a alegação de que é qualificada demais para o serviço... Eu digo para ela que eu preciso mesmo arranjar um namorado! Que estou quase latindo de tanto conviver só com meu cachorro. E então a gente ri fartamente.

2 comentários:

  1. minha escrita tem influência da tua, sabias? gosto tanto do ritmo de tuas narrativas. dessa pontuação, das frases curtas. dessa coisa quase cantada. gosto muito muito.

    essa última frase, "E então a gente ri fartamente", depois da leitura do texto todo me trouxe à mente, instantaneamente, o renato russo cantando "Vamos chamar nossos amigos, A gente faz uma feijoada, Esquece um pouco do trabalho, E fica de bate-papo". tá, eu sei que não tem nada a ver, foi só uma lembrança musical mesmo

    :)

    beijos, clô.

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  2. Boa noite, Clotilde:
    Outro texto maravilhoso. Na leitura, lá pelo meio, peguei-me a rir. É texto com vida, com graça, sentimentos, emoções. Parabéns!! Um bom final de domingo, um abraço fraterno ;)

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